domingo, 31 de agosto de 2025

CORDELISTAS GENÉRICOS

CORDELISTAS GENÉRICOS 


 Há anos venho presenciando o surgimento de muitos cordelistas no Brasil, alguns deles chamados pelos veteranos de “cordelistas genéricos”. Qual seria a razão para tal nome? Segundo aqueles que estão na estrada do cordel há um bom tempo, esses poetas têm caído de paraquedas no mundo cordelístico. Desconhecem os grandes clássicos e não fazem a mínima ideia de quem são seus autores. Nunca leram e não têm o mínimo interesse em saber quem fez história e deixou o seu nome imortalizado na literatura de cordel, a exemplo de Leandro Gomes de Barros, Delarme Monteiro, Minelvino Francisco Silva, Antônio Teodoro dos Santos, Enéias Tavares, Rodolfo Coelho Cavalcante, José Camelo de Melo Rezende e tantos outros.

Tal comportamento só pode me trazer uma pergunta: "Ora, como pode alguém se enveredar por uma arte sem antes estudar suas regras, obras imortalizadas e seus principais fazedores?”  Numa comparação mais prática: seria possível que algum jogador de futebol amador pudesse tornar-se um grande profissional deste esporte sem conhecer um pouco da sua história e suas regras básicas, além de poder inspirar-se nas verdadeiras lendas que já passaram por ele e que permanecem vivas na memória dos amantes deste esporte?

Estes mesmos cordelistas genéricos têm apresentado trabalhos resumidos, uma boa parte concentrada em um número pouco reduzido de estrofes e, como se não bastasse, apresentando diversas fragilidades, tais como: atropelos em rima, versos de pé quebrado e orações de entendimento sofrível, demonstrando grande ou total desconhecimento dos fundamentos que envolvem as três unidades básicas da literatura de cordel. 

Muitos deles invadem as redes sociais quase sempre com indumentárias que lembram o estereótipo do nordestino sofredor, mas que se orgulha da sua terra natal, conseguindo, dessa forma, causar uma certa identificação com os seguidores, chamando mais a atenção para obter maior engajamento para seus vídeos nas redes sociais. 

Por incrível que pareça, muitos desses genéricos têm a audácia de ministrar oficinas de literatura de cordel sem o mínimo conhecimento técnico para isso, o que resulta em um desserviço para o gênero, pois costumam passar desinformações como a de que o verdadeiro cordel precisa ter capa com xilogravura e que sem ela não pode existir cordel entre tantas outras.

Os seus cordéis impressos, na maioria das vezes com 8 páginas, chegam a possuir uma estrofe por página e a desculpa é sempre a mesma " Ah, o povo não gosta de ler cordel longo". No entanto, eles falam isso por desconhecer os verdadeiros clássicos da literatura de cordel com mais de 300 estrofes espalhadas em inúmeras páginas como é o caso dos cordéis “João Acaba-Mundo e a Serpente Negra”; “O papagaio misterioso e os Sofrimentos de Jobão”; “Os Cabras de Lampião”; “Vida e Testamento de Cancão de Fogo”, entre tantos outros, todos eles obras que vêm sendo reeditadas por mais de 70 anos e ainda encontram leitores dispostos a dedicar um bom tempo à sua leitura. Estes mesmos cordelistas preferem o isolamento dos demais autores para não ouvir algumas verdades de quem preza pelo cordel e que já possui um bom conhecimento de suas técnicas e de sua história.

Para que não pairem dúvidas: não é demérito usar as redes sociais para divulgação de seu trabalho. Vale lembrar que temos também bons cordelistas com seus trabalhos divulgados por lá, a exemplo de Vital do Cordel, que tem feito um ótimo trabalho, que traz orgulho a seus pares e que de fato representa os bons cordelistas.

Para encerrar, a pergunta que fica é a seguinte: “Quem não lê e não conhece bons cordéis consegue ser um bom cordelista?”

3 comentários:

  1. Confesso que não sou um grande leitor dos clássicos. Deveria ler muito mais e sempre com olhar atento e analítico. Mas estudo e escuto muito os ensinamentos dos poetas contemporâneos, com os quais tenho o prazer de conviver: Zé Salvador, meu primeiro mestre, Zeca Pereira, Marcos Haurélio, Massilon Silva, Marciano Medeiros, atentos pesquisadores, Edionaldo Souza, Zilmar, Antônio Barreto, Franklin Machado, Jotacê, Vivi Lissek, a qual ensinei o básico e hoje é quem me ensina, o que comprova a questão nata da veia poética. Enfim, pra se considerar um cordelista de verdade, o cabra tem que estudar muito. Participar de grupos, para trocar experiências e acima de tudo, calçar a sandália da humildade e nunca crê que já sabe tudo.

    Publicar (Física ou virtualmente) é muito importante, para submeter sua arte ao crivo do leitor, o melhor crítico, porém nem sempre quantidade reflete qualidade.

    Outro compromisso importante é formar as novas gerações, para perpetuar nossa arte.

    Eu sou só um aprendiz
    Eu estudo todo dia
    O meu foco é aprender
    Perseguir a maestria
    Se e quando eu lá chegar
    Mato ego e só cortesia.

    Jessé Ojuara

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  2. Eu penso que o cordel,como todo gênero literário de forma fixa, tem um conjunto de normas ao qual o cordelista deve se adequar para que seu texto possa ser enquadrado nesta categoria. Essas regras não foram inventadas agora e por nenhum dos escritores ou estudiosos atuais, mas foram sendo construídas ao longo do tempo pelos autores chamados de clássicos. Acho complicado escrever um gênero assim sem seguir tais normas. Entendo que as normas não são tudo, mas são o alicerce do gênero. Nada impede de um escritor fundar ou criat um novo gênero, agora, mudar o que já está determinado... Sempre achei importante o estudo de um gênero para compreendê-lo melhor.

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  3. Seguidoras, Seguidores,
    Permitam me apresentar,
    O Meu nome é Ivan Matos,
    Sou Poeta Popular
    Com pretensão cordelista
    E venho aqui me expressar.

    Este espaço é singular,
    Então eu salto da ilha
    Para o “Cordel em Debate”,
    Vou embarcar nessa trilha
    Pra responder a questão,
    A qual achei maravilha.

    Da Quadra para a Sextilha
    Mais dois versos na razão
    Silvino Pirauá Lima
    Agregou com precisão,
    Mas sem alterar a regra:
    Rima, medida, oração.

    Assim houve inovação
    Sem a norma ser mexida,
    Do primeiro ao derradeiro
    Todo verso tem medida,
    Que Cordel só é Cordel
    Se a régua for bem servida.

    Que regra é pra ser cumprida,
    Esse é o nó que se desata.
    Medida sempre perfeita,
    Rima tem de ser exata
    E o assunto consonante
    Com oração correlata.

    Não tem choro, nem bravata,
    Nem soberba e nem dilema,
    Quem quiser ser cordelista
    Tem que conhecer o tema,
    Embrenhar-se na leitura,
    Desvendar o teorema.

    Por certo será problema
    Desobedecer a norma,
    Alterar a estrutura,
    Escrever de qualquer forma,
    Pé-quebrado é verso manco
    Que a qualidade deforma.

    Esse quadro não conforma
    Conceito de inovação,
    Estudar sobre a história
    Ajuda na solução,
    Ler os clássicos fomenta,
    Alicerça a formação.

    Essa é minha posição
    Em relação ao Cordel,
    Pois se existe um postulado
    Siga-se à risca o painel,
    Porque pra ser cordelista
    É preciso ser fiel,

    Por mais que seja cruel
    A regra há que ser seguida.
    Se não conhecer, estude
    Até sabê-la entendida
    E de cor e salteado,
    Pra ter-se a missão cumprida.

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